Mexo

Mexo
:::em tudo (foto: Rafael Bertelli)

segunda-feira, outubro 26, 2009

Trilogia Aurora

Aurora

Nada do que se queira é por vaidade, mas tudo o que aqui se fala é, em verdade, só querer. Eu quero te encontrar essa noite. Quero te falar ao ouvido as coisas que vivi em minhas viagens. Quero que saibas da minha vida, quero que duvides da minha coragem. Quero ver seu sorriso largo, debochado quando te disser que matei três dragões no braço, que peguei uma manada inteira num laço e que tudo isso eu faria de novo só pra ouvir essa tua gargalhada...


Hoje à noite vai ter festa

Na areia da praia, à beira-mar

Sob a luz prateada que a lua empresta

Para eu poder te achar

Tu sapateias louca na areia

Causando inveja nos mortais

Mulheres falam da vida alheia

Homens divertem-se no cais

Essas putas não me deixam! Querem meu dinheiro, meus cigarros! Não agüento mais aqui, vou até a areia falar contigo. Há tanta gente... quando enfim te encaro, a voz me trai. Espero então por um passo teu. Tu corres em outra direção.

Doida, te atiras nas ondas gritando uma canção, e de novo me pego apaixonado a contemplar teu show.


É quando ouço as mulheres falando:

- Olha lá a Aurora querendo esquecer.

- Bebeu tanto a coitada. Amanhã vai sofrer.

Mas o mar ta é brabo nem ouço mais ela cantar...

A Aurora não sabe nadar, logo começa a tossir

Eu vou atrás dela tentar resgatar, ela grita “me deixa morrer! Me deixa aqui!”

Mas eu pego ela a força, ela não sabe o que diz, é muita água na ideia, eu não vou ouvir.

Já na areia, ainda fraca, a valente levanta e vem me bater. Me xinga de tudo que é nome, diz que eu não tenho o direito, que ela quer morrer.

Aí eu digo que é pra ela parar, que é pra pensar melhor, porque se ela deixar essa vida, eu vou ter que viver só. E que só eu não consigo porque também carrego dor aqui no peito:

- sem desmerecer teu sofrimento, teu bem tá morto, não tem mais jeito. O meu anda chorando por aí, e eu amo de longe por respeito. Ninguém pode trazer o teu amor de volta, que pra te ver feliz, eu mesmo já teria feito. Agora, não pede pra eu desistir do meu, porque

não tens esse direito.


Aurora II

Pra festar à beira mar

Fez uma trança bem longa

E com sete fuxicos enfeitou pra sorte dar

A saia em flor com blusa de renda

No pescoço o colar de contas

E a guia que Iansã ungiu.

Nos olhos o brilho apagado

Pelo choro da morte

Na boca a falta do amor que partiu

Dança ao luar, Aurora

Faz que esquece o luto,

Mas no peito ainda chora

Desfaz a trança bailarina da areia

Em sua sorte sapateia

E vai ao mar em oração.


Com a mão no colo:

- Iansã me dê coragem

Iemanjá, me dê passagem

Que eu vou buscar meu coração


Aurora III

Numa noite em mar aberto

Um temporal despencou

Mandinga de Iemanjá aos raios

Tomou dela o pescador

Numa noite em mar aberto

Um temporal despencou

Odoia! Deusa das águas!

Levou dela o grande amor

Festa da lua na areia

Quem no samba se desmancha

Distraindo o sofrimento

A mulher de longa trança

Com a mão no colo

Encara o mar de frente

Pedindo licença aos orixás

Se atira nas ondas valente

Há quem diga

Que quando bebe apronta

Que a água fria vai curar

O que ela tomou além da conta

Mas é o coro que canta

Na voz do destino anuncia

Que o que Aurora quer matar

Não se cura na água fria

Festa da lua na areia

A mulher de longa trança

Que no samba se desmancha

Tentando enganar a dor

Com a mão no colo

Encara o mar de frente

Se atira nas ondas valente

Quer se juntar ao pescador

Há quem diga

Que ela tomou além da conta

Que quando bebe apronta

Que a água fria vai curar

Mas é o coro que canta

Na voz do destino anuncia

Não se cura na água fria

O que Aurora quer matar




domingo, outubro 25, 2009

em construção

Vou construir uma casinha e de cobre e outra de manganês
Que são os metais que aprendi na escola
Na casinha de cobre, vou morar quando crescer
E na outra, a saudade.

sábado, outubro 24, 2009

O que não sei fazer com as próprias mãos

Eu sou uma Laura que pensa.
Eu sou aquele que te quer e que no mesmo tempo se confunde de te querer. Eu quero casar só se o buquê for de salsinha. Tenho que acordar às oito da manhã e ainda assim fico sonhando em te ter de novo.
Não sei se é sonho ou imaginação. Imagino muito e faço pouco. Te acho um puto, um puto amante e logo já te tiro de mim, te tiro de mim, te arranco de mim com mão de aço e nem sinto, prometo que nem sinto. Do buraco de você, vou caminhando e jorrando sangue sem sentir nada. Nem o vazio que o sangue que me deixa deixa em mim, se o buraco de onde te arranquei é bem maior que mil litros. Se esvazio é porque estive cheia de você e dessa história toda de não te ter quando eu queria. E só poder te ver assim morno acolhido dentro de mim, sem poder penetrar pele e tocar, foi me parecendo injusto tumor benígno e se não morro dele, se não morro de você, morro então do sangue que jorra, baixando minha pressão, me deixando mais cega aos poucos, me fazendo sentar na cama esfumaçada do meu quarto, acender o abajur pra não perder de vista a despedida bruta.
Então olhando pra minha mão de aço onde você se dependura pouco nítido, eu sofro um arrependimento que já não sei de quê e rio dessa coisa boba e você ri pra mim. A minha mão de aço te solta e você nada na poça do meu sangue que ainda jorra enquanto eu morro calma nas lembranças que apagam.


**Alexandre Zampier, Cintia Ribas e Nina Monteiro. numa noite dessas.

quarta-feira, outubro 14, 2009

Solidão

Antes que eu pudesse ver de novo, sumiu.
E o que nada era antes continuou.
Então foi ficando assim, foi permanecendo
Eu olhando e vendo aquilo
Aquilo que continuava nada como antes
Não sendo vazio nem cheio, não sendo
Eu ali parado a pouca distância daquilo
Olhando fixamente para encontrar
E fui caminhando em sua direção lentamente
Com cuidado de quem não quer ser escutado
E tomei o seu lugar.

Aquilo agora ocupava todo meu redor.
Ao redor havia mais nada
E só isso comprova que eu estive ali
Então comecei a correr de um nada pro outro
Tomando furiosamente seu lugar
Preenchendo o espaço
E de tão rápido que eu era
me via no caminho quando já havia chegado
E a idéia do nada estar povoado de mim me fez parar
Eu preferia estar só.

domingo, outubro 11, 2009

Cores que invento

As cores, as cores, as cores de dentro

As coisas, as coisas, as coisas que invento

Dentro da cabeça de um viajante bêbado

Dragões, guerreiros alados

Armados de arco e flechas

Cupidos combatentes dos amores irreais

Viagens subaquáticas por cantos diversos

De desertos asiáticos

Visões do mago astuto, homem magro

Seu cajado e o charuto em punho

Barbas amarelas, multicoloridas mechas

Do cabelo em tranças

Cigana pendurada de moedas e

Lenços de seda, os cabelos pelas costas

E mil cães ao alado. Cães alados.

Chora cintilantes gotas que enfeitam

Pedras pomes d’onde brotam luzes

Fendas iluminadas

Numa festa balinesa

Onde dançam polca

Mistura de continentes eco estáticos,

Hiperbólicos, atômicos

Em forma de sapato, meia

Bota, coelho, urso

Cogumelos

Tudo em nuvem num céu

Muito perto do meu corpo

Deitado na varanda em dia quente

Que me faz querer voar.