Mexo

Mexo
:::em tudo (foto: Rafael Bertelli)

domingo, agosto 03, 2014

Cenário para uma vida (a) II

Hoje estréia seu balé e eu já sei o que a noite promete.
A aula é mais tarde e no palco, então você vai ficar no teatro direto até o espetáculo.
Vai me ligar pedindo que leve qualquer coisa que esqueceu, mas na verdade você precisa nos ver antes de começar. Vai me olhar nos olhos e sorrir ansioso e vai me agradecer mais uma vez por ser parte daquilo tudo.
À noite, você vai entrar em cena, e o Miguel não vai mais gritar “É o meu pai!” porque ele já está crescidinho e sabe que não se grita durante o espetáculo. Mas ele vai me olhar como quem diz: “você viu isso?!” e balançar as perninhas e bater palmas como todo mundo. Todo mundo.
Essa noite você vai rir surpreso, no agradecimento, porque ele aprendeu a dizer “Bravo!!” e só vai parar de gritar quando as cortinas se fecharem.
Vamos te esperar no saguão onde haverá o costumeiro coquetel de estréia e quando você aparecer, as pessoas te cercarão e te cumprimentarão. Você as cumprimentará um pouco nervoso porque ainda não nos encontrou no meio da pequena multidão. O Miguel vai correr até você e antes de te beijar vai pedir que faça “aquele assim” e vai pular e girar no ar e as pessoas vão achar uma gracinha e passar a mão no cabelo dele.
Ele vai te levar até a mim, e você vai me perguntar o que achei.
Bom, pelos ensaios que assisti, acredito que eu vá dizer: "Lindo."
E você vai dizer: “Linda.”
Miguel vai se sujar de refrigerante e eu vou perguntar por que ele não está usando a mamadeira e você vai dizer que já é hora de aprender a tomar no copo, que só vai se sujar no início, que tudo bem. Mas que não deveria tomar refrigerante se há suco também... e eu vou olhar pra ele com ar de fingida repreensão e ele vai me dizer que foi “sem querer”. Você vai me pegar pela mão e vamos cumprimentar as mesmas pessoas de sempre e o pequeno vai interromper nossas conversas até cansar.
Você vai dizer discretamente que não gostou do vinho da recepção, que devemos abrir nosso chileno em casa, só nós dois, afinal, nosso filhote já dorme em seus braços.



Pra voce, Luiz Ruben Perez Gonzalez, que sempre me inspirou.

terça-feira, maio 20, 2014

Alho e acucar

Tem um pouco de febre a pele brilhante daquela mulher no trem
sentada de olho abaixado, pescoco suado, boca entreaberta de quem nao consegue respirar.
A garganta seca, o olho quer fechar. Dorme a mulher febril, a boca agora escancara
nem percebe a coitada, ta dormente, ta doente. Tem febre, tem sono, e a garganta ferrada.

Talvez eu tenha que queimar o leite. Queimar alho e acucar no leite pra ela suar. Talvez eu tenha que agasalhar bem ela, usar umas compressas frias, ficar de olho e acucar nela. Deitar do seu lado vendo tv bem baixinho pra nao atrapalhar o sono de boca esparramada, que nao percebe nada, so quer repirar.

O leite de alho e acucar fazendo efeito. Eu vejo brotar no seu peito umas gotinhas minusculas de suor.
Eu penso comigo e falo com as gotas que elas seriam boas se levassem a febre consigo. Eu meio que fiz o pedido.

Foi ficando quente e o cobertor perturbou a doente que se mexeu, chutou, sentou, arrancou blusa, levantou cabelo e deitou de novo. Tudo de olho fechado, tudo dormindo, sem nem me notar do lado. Achei graca, ri.
Me bateu uma docura imensa assim de olhar pra ela, toda suada, peitos e boca esparramados, cobertor enrolado nas canelas. Me bateu calma, me bateu sono. Estiquei o cobertor em cima de nos dois, beijei sua testa suada. A febre cedia. Deliguei a televisao.


quarta-feira, abril 09, 2014

A mão e a moça


Caiu uma mão na avenida do centro.
Assim bem no meio,
bem na mosca,
tipo um tapa na cara,
bem na lata.

Quem viu no chão, olhou pra cima.
Buscou no alto explicação
porque jamais se esquece que há gravidade,
que nada suspende.
Caiu pra baixo, tem que ter vindo de cima.

Mas ninguém achou nada.
Os prédios e suas janelas fechadas,
outros nem janela tinham.
Alguém chutou a mão pra calçada.
A mão parecia que chamava.

"Tá viva!" gritou um.
Pisaram nela para matar.
A mão agarrou sola, escalou tornozelo, joelho, coxa, quadril, cintura, peito, ombro e
bem ali, no pé da orelha, Plaf! Tabefe.
Bem na lata.

Todo mundo fingiu que não viu.
Ninguém procurou.
Ninguém se meteu.

A mão despencou la de cima do ombro,
caiu outra vez no chão.
As pessoas ja não se importavam.

Com exceção daquela mulher que pegou na mão,
levou-a a seu colo e lhe pertitiu acariciar seus cabelos.
Beijou os dedos da mão.
A mão toda suja de calçada.

A mão e a moça ali no meio do pavimento.
Todo mundo fingiu que não viu.
Ninguém procurou.
Ninguém se meteu.

Deram-se uma a mão da outra e
seguiram juntas embora.
A mão levada dali da avenida do centro
onde caiu de onde nunca se soube.

sexta-feira, abril 04, 2014

What if?

What if I were to jump from this bridge right now?
Would you care?If I were to know you wouldn't careWould I still jump?
What if he is not gone after all
and would sit at the dinner table tonight (at his favourite spot)?What if we could suddenly hear him?Would that scare us? - Or make us miss him even more?
What if we were to run away together
If I were to leave everything behind just for you?Would you love me and look after me forever?What if forever isn't long enough?
What if I am the one who decides to not go on?
Would you carry on loving me?What if forever truly means eternity?Would we be ready for it?
What if there is another side?
Would you try to come back and tell me?What if I were too busy to listen to you?As I feel I always was.
What if you could hear me from heaven?
Would you believe in my regret?What if now that you are goneyou could know my nasty secrets?Would you think less of me?
What if I could think more of you?
Well, I just think I can't.

terça-feira, novembro 05, 2013

To Mo

She smells like wood
Like an afternoon in the forest
The sunset through the trees
Rays of colour-lights swim
On the surface of a river
A silent river a silent sigh
Screams from her eyes the pain
Of a broken romance

It is night in the forest
Her hair still shines
There is smoke on the trees  from our cigarettes
We all celebrate around the dark
Her smile still lightens
Now with the sun in its rise
There is never enough of her

To take us to bed
To kiss us good night

That night

 That night

I wiped her face and my hands got wet
There was a teardrop wishing to fall on the wooden floor
I balanced it on the tip of my index finger
and laid it on my bed to then - on its insignificance - rest my head.

Ensure my sleep, sweetheart
Be my loyal serf, be my guard
Be fed by the words I've never said
And for the future I've mangled, be sad

No sign of regret even though I knew I might
She stood there in the dark
The poor little girl under no light
Under no circumstances would she depart

As if she got no pride
She whistled a song and got undressed
Her face still drowned in a puerile cry
She danced her way to the bed as in a pagan rite

She prayed in my ears
There was no begging, no forgiveness
I loved her as if she could save me one more time
As if she could be my sweet dreams that night



quinta-feira, outubro 03, 2013

I don't know about a title - tittle to come - within my lines - little girl has died

I feel like someone has died. There's this hole inside my stomach.
I feel like I'm missing something, like nobody said anything.
I know someone has died and yet they're all just there and they're singing a song, a song that isn't theirs, a song of my own.
Wait a second. I can hear it. I'm sure now they're reading a poem.
A poem I wrote about a girl I've never met.
The girl I've created only to see her never grow older. The girl I've locked between every two lines I have ever written, who has danced to my most ridiculous songs.
The girl I introduced to the forest, the sea, to a few lovers of mine. The girl who told them I loved them.
The girl who laughed at me when I cried, but when I've been the evil one, she never forgave me.
She taught me nothing, she feared nothing.
The girl I've given so many lives to play is now dead.
Everybody is out there singing and reading about a girl who died for lack of being.

quarta-feira, julho 31, 2013

O dia em que vi o pato voar

Eu me lembro do dia, era claro, eu menino - e o pato na pedra do rio - eu sentado na margem sobre o gramado.
Em dois tempos, o pato alca voo pro outro lado - eu em choque, desacreditado. O pato batia asa, voava, voava...
Dai quando o pato era so uma pinta no meio do mato, que eu me toco, nem pousa, ele volta louco, voado e, quando sobre a agua, o pato mergulha gaivota-duplo-carpado TCHIBUM! Pra depois voltar pra cima da agua, agora sentado.
Eu me lembro do dia, meu Deus! O pato... Ele tinha voado!