Mexo

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:::em tudo (foto: Rafael Bertelli)

sábado, novembro 28, 2009

Sobre eles dois

- tá conseguindo ver?
- ah, penumbra, né, mas dá pra ter uma idéia.
- ah, então vamo inventar.
- como assim?
- ah, sei lá, vamos ficar tentando adivinhar o que eles estão fazendo.
- tipo, se ela vai deixar aquela taça de vinho cair em cima dos trabalhos dele quando bater o dedinho mindinho do pé na mesa de centro?
- é... extatamente! assim mesmo. e ela vai ficar nervosa, envergonhada, vai se sentir constrangida e infantil, ficar olhando aquilo sem saber o que fazer e vai dizer "nem adianta tentar limpar, né. bom, agora você me odeia."
- e ele vai passar a mão no vinho e misturar com a tinta fresca... vai dizer "ih, relaxa, tá valendo. vale tudo. essa aqui vai prum lugar especial na casa, certeza." afinal, ele a ama.
- ele a ama?
- claro ué, não deu pra notar? o que que é essa correia pela casa, vinho na mão, guerra de petisco, sei lá o que...
- gente, eles estão se divertindo, não pode? tem que ser amor?
- e por que não poderia ser amor?
- cara, poderia, mas duas pessoas correndo loucas pela casa, ou trepando loucas pela casa que fosse, não necessariamente são duas pessoas que se amam. podem ser duas pessoas que gostam de se divertir juntas. que são muito íntimas, que gostam de correr e trepar uma com a outra simplesmente. não?
- é. tá.
- o que to falando é que sim, ali há uma troca. e nem toda troca incrível é amor. e não é porque não é amor que é menos, entende? há essa outra coisa. há o compartilhar com alguém qualquer coisa pela simples alegria de compartilhar. há verdade nisso. mas há outras coisas tb, po. ele adora viajar. ele quer viajar sozinho, girar o mundo... ele não quer levá-la nessa viagem.
- não?
- não.
- por que ué?
- porque é uma coisa que ele quer curtir sozinho. se encontrar. ver outras coisas, abrir o peito pra novas paixões, novos amores...
- ele vai sentir falta dela.
- às vezes. mas vai tá vendo muita coisa. lembra e esquece rápido.
- mas cada vez que ele abrir o email e ler uma mensagem dela, vai lembrar dessa noite dos dois correndo e rindo nus pela casa, pisando em amendoins e estalando doritos com as costas.
- a noite que ela cagou com um trabalho belíssimo dele.
- a tela que ele pendurou no quarto dele depois.
- o quarto que tá fechado há seis meses, desde que ele se mandou pra indonésia.
- mas lá na indonésia ele tá lendo os emails dela. e tá lembrando. e sorri quando lembra. porque lembra dela acordando com o cabelo duro colado de tinta. e ele adora o jeito dela nem se importar. as pontas dos dedos laranjas de doritos...
- aí ele suspira, diz pra si mesmo "massa", fecha o laptop e volta pra praia. porque ele sabe que não adianta saudade, ele tá vivendo um momento muito especial, particular e ele deseja que ela esteja bem.
- ela morre de saudades. só fala dele.
- ela esquece. já já arruma um namorado. antes dele até.
- e se ele sabe ele sofre.
- ele sabe. ela escreve contando. e sofre. um pouco. mas sente que enfim pode viajar sossegado. no fundo é isso. agora quer ir a nova zelandia.
- antes não? então ele pensa em voltar! esse lance dele querer estender a viagem é sintomático.
- talvez. mas o fato é que a vida agiu assim. é sempre assim, tipo lei de murphy.
- ela tem a chave do apartamento dele ainda.
- ela entregou pro melhor amigo dele. avisou por email.
- ele lembrou da noite dos amendoins na hora. e lembrou do quadro pintado com vinho.
- ele vai ter que tirar o quadro do quarto quando voltar.
- de repente ele pensou em voltar. ele tá na agencia de viagem pra comprar passagem pra nova zelandia.
- o quadro no quarto incomoda ele demais.
- ele compra passagem pra cá.
- ele nem avisa que vem. não quer bagunçar a vida dela, não é justo. ela demorou tanto pra ficar numa boa.
- ele entra no apartamento e tem mancha de dedo laranja no interruptor. doritos. ele sorri.
- ele vai direto no quarto. tem que tirar a tela de lá.
- ele deita na cama e fica horas olhando pra tela, lembra de cada detalhe da noite.
- ele dorme.
- ela entra no apartamento. pede a chave pro amigo pra pegar uma coisa dela e vai lá.
- de fora ainda ela nota as luzes acesas, por debaixo da porta. ela acha que foi o amigo que esqueceu.
- quando entra no apartamento, ela demora a entender as malas na sala. ela chega no quarto ainda sem saber o que pensar sobre as malas.
- ele tá dormindo de barriga pra cima, braços cruzados sob a cabeça.
- ela grita "não acredito!" e se joga na cama e abraça ele.
- ela faz mil perguntas.
- ele só faz uma.
- "bora pra nova zelândia?"

...

3 comentários:

Rogério Machado disse...

Tão bonito....tão simples...Aliás alguém já disse que simplicidade é perfeição. O mais bacana que achei é que os dois são muito humanos, universais. A gente passa por isso, né ?? Estimo que mesmo que mudem de amores, o quadro não saia dali. Marque o encontro que ACONTECEU.....E foi com eles. QUE VENTURA !!!!!!
Parabéns curuca. Legal você não deixar de valorizar estas coisas que são dos homens, que são da vida...Que são....ASSIM...

Malki Pinsag disse...

"o que to falando é que sim, ali há uma troca. e nem toda troca incrível é amor. e não é porque não é amor que é menos, entende? há essa outra coisa. há o compartilhar com alguém qualquer coisa pela simples alegria de compartilhar. há verdade nisso." Sò com essas poucas palavras mudou o mundo todo!!!! o Meu mundo!!! Nas coisas simples que escreve há uma imensidão que me encanta!!!! beijo bonita =]

Anônimo disse...

Estava na rotina de minha sala de escritório comercial quando ouço uma voz de locutor que aumenta o volume enquanto o dono da voz sobe as escada e chega à porta: my friend Rogério. Após essa grata surpresa e já com as notícias atualizadas ele me fala (todo orgulhoso) que vc está escrevendo lindamente nesse blog. Mas grata ainda foi a surpresa de que não é só corujice de pai, vc está mesmo escrevendo lindamente e me comoveu. Parabéns Nina. Oxalá vc continue cada vez mais fértil de idéias e de tanto talento. Abençoada seja, ricamente.
Beijos com muito carinho. Josi (ex colega de trabalho do Rogério.
Visual Color
Rio de Janeiro-RJ