Eu peguei na mãozinha dele e disse:
- Vem. Você vem comigo. Quer vir?
Ele respondeu:
- Quero.
Levei ele pra casa, enchi a banheira bem quente cheia de espuma e falei que ele não precisava ter pressa, que podia brincar à vontade, que qualquer coisa chamasse, que eu estaria na cozinha.
Lá, tudo começou a me confundir. Achei melhor perguntar:
- Você tomou café da manhã?
- Café, não. Comi biscoito só.
Biscoito.
- Depois do banho, você vai querer almoçar ou ver um pouco de TV?
A demora da resposta me cortou o peito em sete.
- Ver TV.
- ok.
Voltei pra cozinha e segundos depois, ele estava na porta, me olhando, ainda quase todo molhado de pressa e vestindo as velhas roupinhas sujas:
- Posso ver TV agora, tia?
Eu sorri:
- Pera. Antes eu vou te dar um short meu e uma blusa pra você ficar em casa enquanto eu lavo sua roupa, o que acha?
Ele me olhou. Me media.
Eu ri:
- Vai ficar engraçado, mas é só enquanto espera. É que você tá tão lindão e cheiroso que a roupa precisa ficar assim Também, não acha?
- uhum. – respondeu desconfiado.
Fomos juntos no quarto e ele quis vestir minha blusa do Flamengo. Ficou realmente engraçado. A blusa chegava ao joelho dele. O short era um de corrida, da época que eu era menor porque corria.
Sentou na pontinha do sofá, como quem não quer parecer à vontade demais, invasivo.
Quis trazer o almoço pra ele na sala, pra comer diante da TV, porque me arrependera de tê-lo feito decidir entre a comida e à tv, mas daí pensei que era melhor não.
Talvez essa tenha sido a primeira vez que alguém lhe tenha dado a chance de escolher. Não podia estragar tudo.
Depois de algum tempo assistindo desenhos, perguntei:
- Tá com fome agora? Vamos na cozinha almoçar?
Ele estava vidrado na TV:
- Tô com fome agora não.
- A gente pode comer e voltar pra sala. A TV não vai sair correndo.
Ele concordou.
- Mistura pra mim também? – perguntou enquanto eu o servia de carne moída, em cima do purê de batata, como gostava no meu prato.
- Ué, por que não?
- É que em casa, quando tem mistura, é só pros adultos.
Eu perdi a fome. Olhei pro meu prato e o imaginei vazio. Depois, só com arroz, e só com o feijão, e depois só com a batata. E tive nojo da carne moída.
Comi assim mesmo. Comia rápido, querendo que aquilo acabasse logo.
Ele comia devagar, querendo talvez que durasse pra sempre? Esquecera da TV? Essas idéias me furaram o estômago.
Não comeu mais do que estava em seu prato; eu nem coloquei muito. Não repetiu e também não deixou nada.
- Posso pegar um pouco d’água? – ele tava sorrindo. Eu querendo chorar.
- Claro, tem copo ali. – e foi até o filtro. Gostou do botão do filtro.
Encheu o copo de água bem gelada, que doeu no dente:
- Ai, – sorrindo de novo – vou ter que esperar esquentar um pouco. – Estava de repente tímido, como se tivesse feito uma travessura, ou como se tivesse abusado da minha hospitalidade, enchendo o copo com meu raríssimo artigo de luxo: a água gelada pelo filtro com botão e luzinha.
Eu sorri envergonhada. Envergonhada de mim, do meu país, do meu filtro. Ele não percebeu e me perdoou:
- Vamos ver TV, tia? Daqui a pouco tenho que ir embora.
segunda-feira, janeiro 24, 2011
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