Aurora
Nada do que se queira é por vaidade, mas tudo o que aqui se fala é, em verdade, só querer. Eu quero te encontrar essa noite. Quero te falar ao ouvido as coisas que vivi em minhas viagens. Quero que saibas da minha vida, quero que duvides da minha coragem. Quero ver seu sorriso largo, debochado quando te disser que matei três dragões no braço, que peguei uma manada inteira num laço e que tudo isso eu faria de novo só pra ouvir essa tua gargalhada...
Hoje à noite vai ter festa
Na areia da praia, à beira-mar
Sob a luz prateada que a lua empresta
Para eu poder te achar
Tu sapateias louca na areia
Causando inveja nos mortais
Mulheres falam da vida alheia
Homens divertem-se no cais
Essas putas não me deixam! Querem meu dinheiro, meus cigarros! Não agüento mais aqui, vou até a areia falar contigo. Há tanta gente... quando enfim te encaro, a voz me trai. Espero então por um passo teu. Tu corres em outra direção.
Doida, te atiras nas ondas gritando uma canção, e de novo me pego apaixonado a contemplar teu show.
É quando ouço as mulheres falando:
- Olha lá a Aurora querendo esquecer.
- Bebeu tanto a coitada. Amanhã vai sofrer.
Mas o mar ta é brabo nem ouço mais ela cantar...
A Aurora não sabe nadar, logo começa a tossir
Eu vou atrás dela tentar resgatar, ela grita “me deixa morrer! Me deixa aqui!”
Mas eu pego ela a força, ela não sabe o que diz, é muita água na ideia, eu não vou ouvir.
Já na areia, ainda fraca, a valente levanta e vem me bater. Me xinga de tudo que é nome, diz que eu não tenho o direito, que ela quer morrer.
Aí eu digo que é pra ela parar, que é pra pensar melhor, porque se ela deixar essa vida, eu vou ter que viver só. E que só eu não consigo porque também carrego dor aqui no peito:
- sem desmerecer teu sofrimento, teu bem tá morto, não tem mais jeito. O meu anda chorando por aí, e eu amo de longe por respeito. Ninguém pode trazer o teu amor de volta, que pra te ver feliz, eu mesmo já teria feito. Agora, não pede pra eu desistir do meu, porque
não tens esse direito.
Aurora II
Pra festar à beira mar
Fez uma trança bem longa
E com sete fuxicos enfeitou pra sorte dar
A saia em flor com blusa de renda
No pescoço o colar de contas
E a guia que Iansã ungiu.
Nos olhos o brilho apagado
Pelo choro da morte
Na boca a falta do amor que partiu
Dança ao luar, Aurora
Faz que esquece o luto,
Mas no peito ainda chora
Desfaz a trança bailarina da areia
Em sua sorte sapateia
E vai ao mar em oração.
Com a mão no colo:
- Iansã me dê coragem
Iemanjá, me dê passagem
Que eu vou buscar meu coração
Aurora III
Numa noite em mar aberto
Um temporal despencou
Mandinga de Iemanjá aos raios
Tomou dela o pescador
Numa noite em mar aberto
Um temporal despencou
Odoia! Deusa das águas!
Levou dela o grande amor
Festa da lua na areia
Quem no samba se desmancha
Distraindo o sofrimento
A mulher de longa trança
Com a mão no colo
Encara o mar de frente
Pedindo licença aos orixás
Se atira nas ondas valente
Há quem diga
Que quando bebe apronta
Que a água fria vai curar
O que ela tomou além da conta
Mas é o coro que canta
Na voz do destino anuncia
Que o que Aurora quer matar
Não se cura na água fria
Festa da lua na areia
A mulher de longa trança
Que no samba se desmancha
Tentando enganar a dor
Com a mão no colo
Encara o mar de frente
Se atira nas ondas valente
Quer se juntar ao pescador
Há quem diga
Que ela tomou além da conta
Que quando bebe apronta
Que a água fria vai curar
Mas é o coro que canta
Na voz do destino anuncia
Não se cura na água fria
O que Aurora quer matar
Um comentário:
Simplesmente perfeitas, em especial a terceira
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