sexta-feira, janeiro 08, 2010
Cenários para uma vida III
Tava um calor de lascar. Lá fora todo mundo super feliz, astral super em alta, comidinhas pequenas e coloridas, decoração de bambu, muita chita, muita vela dentro de coco vazio, uma graça tudo lá fora, mas aqui... aqui dentro... milhares de papéis voavam frenéticos num vento gelado, o barulho de um país inteiro na hora do rush, sensação de documentos importantíssimos voando pelos ares e caindo na piscina do vizinho e esfarelando-se antes que eu tivesse tempo de me jogar pra tentar resgatá-los, realizando enfim um desejo de infância. Não. Os papéis esfarelam-se. O vento continua forte aqui dentro e gelado, as janelas escancaradas, os documentos importantes se dissolvendo, a ventania gelada forte, o barulho de buzinas e freadas e homens tristes e sem esperança vendendo pipocas e limpadores de pára-brisa, ao berros. Aos berros. Os homens tristes estão aos berros oferecendo as pipocas do pacote vermelho nos sinais e os sinais são verdes e nenhum carro anda, os carros de trás buzinam, os carros da frente então arrancam cantando os pneus e esse barulho dói no meu último dente de cima, da direita. O medo enorme de ter cometido um erro enorme. E seria tão bom se esse fosse apenas o erro enorme de ter cometido um medo enorme. Mas meu medo tem sentido. Tenho sentido medo. E agora é mais presente que nunca. É como se tivesse mesmo condenado alguém e ainda não saber quem. Só havendo duas possibilidades, nem posso salvar um dos dois agora, nem sei se quero. A dor é o castigo pra quem não ignora a dúvida pra valer. Pra quem não a ignora até o fim, até doer mesmo, até gastar. E aí tem isso. Isso de documentos importantes sendo perdidos, esse barulho gelado no peito, essa ventania de carros, um país inteiro aos berros. De repente um vácuo, um sufoco, uma vontade de que nada disso seja real, uma vontade de acreditar que o percurso é o que vale, mas nada se pode garantir pelo outro, por si já é impossível, pelo outro... só rezando. Só vendo. Só pagando pra ver. Dói a incerteza de que um dia eu vou ser impotente diante da tua partida, diante da tua falta de desejo, diante de algum insucesso, diante dos teus olhos me vendo partir. Diante de qualquer dor que te provoquem, que te provoque, que me provoque. Porque é certo que quem faz sofrer, nesse pé que estamos, sofre junto e às vezes mais. Tão difícil saber... adivinhar... mais difícil é abrir mão. Abrir mão da mágica que não existe, mas que a gente quer acreditar, porra! Ver qual é, sim! Porque tem esse negócio de a gente se amar e ter muito a ver e esse outro negócio de você morrer de orgulho de mim e de eu não saber fazer nada sem você. Logo eu, que sempre fui do mundo, dos caminhos. Mas aconteceu de eu te olhar ali parado, me esperando, cinco anos depois, e simplesmente me sentir em casa. Como se eu estivesse voltando de uma longa viagem de trabalho. De repente o sonho tomou outro lugar, não sei pra onde foi, mas a realidade sentou nele e isso me deu um medo. Um medo de ter acertado. Ter acertado em cheio. Porque quando a gente acerta e ganha, a gente tem. E só se perde alguma coisa, quando você a tem. E eu que nunca tive nada a perder, de repente acertei em cheio e nem me dei conta de que se eu perder o que ganhei, talvez as coisas não voltem a ser como antes. É que as coisas que a gente ganha da vida, algumas mudam a gente, não tem jeito. A gente ganha elas e elas ganham a gente. “A vida tem dessas coisas”, dessas trocas. E por isso, eu acho que é por isso, por causa dessas trocas, que a vida vem valendo a pena. Então acho que é por isso que to aqui hoje. E por isso essa confusão dentro de mim, porque nem tudo na gente, muda numa vida, e isso sim, é muito meu e já de antes, esse lance de sofrer por antecipação, mas de só pensar quando já tá feito. Porque na verdade, eu sempre fui muito contraditória e confusa, minha vida sempre foi esse paradoxo e no final das contas, eu vou que vou sempre e acabo resolvendo as dores, as minhas pelo menos e as dos outros, eu esqueço egoisticamente baseada naquele ditado péssimo “o que não tem solução, solucionado está”. Baseado nele também eu mesma desenvolvi um lema: Nunca pensar no que se está perdendo, mas no que se está ganhando. Mas eu tenho que lembrar que isso vale pro AGORA. Pro HOJE. Porque o amanhã... é essa loucura que a gente não sabe, né? Então eu vou voltar pra nossa festa. E vou tentar todo dia, deixar o tempo escorrer entre a gente e embalar nosso ritmo. Vou respirar mais e ser mais tolerante com você e comigo e com o que eu não consigo explicar ou resolver. Vou te amar muito e quando você quiser ir, mas quiser mesmo, com certeza, eu vou te deixar ir e vou tentar te poupar das minhas lágrimas e das minhas chantagens de mulherzinha porque eu só quero que você seja feliz sempre e sei que me ver chorar te entristece. E se um dia isso mudar, pra você ou pra mim, isso de nos deixar tristes ver o outro triste, a gente pode conversar porque pode ser que já não interesse pra nenhum dos dois esse novo “outro”. E desse jeito assim a gente vai que vai porque a festa tá rolando lá fora, tá tudo lindo, o medo existe e não posso negá-lo, tampouco lutar contra ele, esse medo é compromisso, é cuidado, coisas que são inerentes ao amor e hoje eu escolhi o amor, custe o que custar.
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