Poderia falar do tempo hoje. No entanto, há um Sol cretino lá fora, que vem e vai embora, sem ter sequer chance de fazer calor. Uma bosta de tema seria.
Poderia falar da cidade onde vivo. Só que hoje é domingo e aos domingos é tão morta que nesses dias eu gostaria de ir embora exatamente como o Sol, lá fora. Seria um tema chato.
Poderia falar de dança; mas isso tem sido tão estressante, tão pesado, tão gordo que só de pensar já me canso. Não tem sido um tema interessante.
Poderia falar de esperança; porém, acabei de acordar e o desespero da falta de dinheiro, da falta de emprego e do excesso de peso ainda estão sendo digeridos com meu café pra ver se consigo ao menos começar o dia. Seria um tema destruidor!
Poderia sim era falar de pessimismo. Só que as coisas não andam nada boas pro meu lado e só se fala disso quando estamos fortes e tudo está perfeito, assim nada de mal poderia ser atraído. Não é o caso.
Poderia falar do acaso; se por acaso alguém batesse na minha porta agora diretamente do nada para me oferecer uma grana emprestada, um emprego, um cigarro... Mas o acaso costuma falhar comigo. É um tema fracassado.
Poderia falar de mim; mas não quero matar ninguém de tédio. Esse tema seria fatal.
Poderia falar sobre egoísmo, mas sua personificação dorme ali no quarto ao lado e não desejo acordá-la.
Poderia falar de amor; se soubesse em que ele está pensando agora ou se ainda dorme (com quem? ), com o que sonha... e quando acordar, se vai sentir minha falta, se vai me ligar... mas o amor é tão imprevisível... e agora deu pra ficar frio. Nem sei o que pensar. Não, esse não é um bom tema hoje.
Poderia mesmo era falar de saudade. Afinal, há saudade dos pais, saudade de casa, saudade dos amigos, saudade daquela certeza que nunca existiu e que hoje parece estar mais ausente do que nunca.. Saudade de alguém que talvez nem sinta saudades minhas... Saudade de um telefonema, de um convite para jantar, de uma ida ao cinema. Saudade de assistir a um ballet, de ler um bom livro, de ir à praia. Saudade de tê-lo por perto, saudade da segurança da sua voz, dos seus braços, saudade do sorriso nos seus olhos... Saudade dos almoços de domingo, saudade de jogar bola e brincar de boneca. Saudade das brigas com as irmãs, das risadas com as irmãs, saudade das risadas... saudade do calor.
É, eu poderia falar sobre saudade se hoje eu não preferisse guardá-la aqui dentro. Tema muito profundo seria.
Quer saber? Eu não poderia falar nada! Porque essa minha inspiração vadia vem e vai embora assim sem ritmo e sem hora, exatamente como o Sol lá fora.
Então hoje minha alma está nublada.
DRESDEN / 2004